terça-feira, 29 de outubro de 2013

Linha tênue


                                                                                myself & myego


Escultura "Cabeça de Vento" - Leonardo Etero
Sobre as solas dos pés: eu;
sob as solas dos pés: o chão;
as pegadas fazem a união.

Diante do espelho: eu;
do outro lado: a projeção;
os olhares fazem a divisão.
    

Fernanda Tinoco Ramos


terça-feira, 22 de outubro de 2013

Sem palavras




(Sem título)




Não existem palavras suficientes
Desenho sem título - Leonardo Etero
nos dicionários.
Preciso de todos os pingos nos is
todas as letras
todos os hifens e tremas
da antiga ortografia
reunidos em pratos limpos
para devorá-los e quem sabe
conseguir meia palavra que seja
capaz de expressar essa sensação
não batizada.
Queria subir no palanque e falar
pra todo mundo
que a partir de hoje
essa sensação tem nome
e acabar de vez
com esse nó na garganta.
Bom seria ter respostas
na ponta da língua que acalmassem
a boca do estômago!
Mas não as tenho
faz tempo que não me ocorre nada
além do recurso de
engolir em seco e gritar
debaixo d’água.




Fernanda Tinoco Ramos

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Qual a parte que te cabe?





(Sem título)

Desenho "segura firme" - Leonardo Etero



Para as críticas sem senso crítico,
para os críticos que não bancam a conta,
simplicidade não é simplismo
e o que conta não é o que você conta,
é o que você faz (sem usar a voz)...
Nem toda vítima precisa de algoz.
Não é culpa da rótula o comodismo,
Detalhe do desenho "segura firme" -
Leonardo Etero
também não se culpa o paladar pelo dissabor.
Não rotulemos a rótula,
nem coloquemos palavras na boca do paladar!
Por favor, cada coisa em seu devido lugar:
a cada um, aquilo que está disposto a dar.



Fernanda Tinoco Ramos

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Jungle twice






Romance mercenário
Desenho "Vai dobrar ou vai meter o pé?" - Leonardo Etero
ou mais-valia



Me decifra
ou
eu te devoro!

Me dê cifra
ou
eu te depeno!



Fernanda Tinoco Ramos


  

                                                                                                                                                                               


Desenho "segue o fluxo" - Leonardo Etero
Metrópole
                                       

                                 
Tire seu sorriso do caminho
que EU quero passar
com a minha dor.

Tire sua bicicleta do caminho

que EU quero passar
com o meu trator.


Fernanda Tinoco Ramos
                                                          


                                                         









sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Para a minha criança.


MEL


Na sala éramos apenas eu e ela. Ela me fitava com precisão, como se enxergasse em mim todos os sinais que vão muito além da visão. Por vezes piscava lentamente e depois piscava de novo e de novo, e de tanto piscar, com as pálpebras pesadas, acabou caindo no sono. Mas ao menor movimento ela acordou, arregalou os olhos, suspendeu a cabeça com as orelhas de pé e voltou a me fitar como se dissesse, com seus enormes olhos cor de mel, saber muito sobre mim, como quem conhecesse muito mais do mundo do que permitiam seus 18 meses de vida. Eu, analisando-a minuciosamente, me perguntava: quem sabe mais? Ela também me olhava, mas não se perguntava nada, porque não precisa de indícios, provas ou respostas.
retrato da Mel - Leonardo Etero


Fernanda Tinoco Ramos

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Brincando com fogo.

"o tempo
entre o sopro
e o apagar da vela"

Paulo Leminski




Ciranda da centelha
Instalação "devoção devoluta" + fósforos -
Leonardo Etero



Bem me lembro...
Era noite de ciranda
o povo dançava
e no calor de dezembro
a alegria fez-se chama.
Uma centelha
do meio da roda  –  
sem juízo e sem jeito –
chamou-me na orelha
(“Anda, aproveita o acaso!”)
e me queimou o peito.
Tamanho o espanto
que a retina escureceu,
a cabeça (zonza) rebateu:
– Logo eu,
aqui na quina,
pra centelha acertar na telha?!
Retomando a visão sua feição
suavemente
tomou forma e eu tomei
do seu cheiro de alecrim.
As palavras da centelha ecoavam na cabeça (zonza):
“Anndaaa, aproveeiiittaaa o acaaasooo!”;
mas o coração vidente
já ciente anunciava:
– Acaso foi tudo que
não aconteceu no nosso caso.


Fernanda Tinoco Ramos


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Os dois pontos da questão.



Desenho "Retrovisão" - Leonardo Etero



Parking


Sem mais a intenção

de chegar antes da hora

por agora parei em ponto morto

em zona confortavelmente indolor

onde descansa em paz sua imagem

no ponto cego do meu retrovisor.



Fernanda Tinoco Ramos

terça-feira, 1 de outubro de 2013

TIC TAC TIC TAC...




 O certo da vida

Desenho "BLESC BLOM" - Leonardo Etero

Não gosto das horas certas, precisas, bem ajustadas,
meio-dia, meia-noite,
“te vejo às 8 às 22 às 15 horas”.
A vida não é feita de horas certas
mas de atrasos e adiantamentos 
não atrasos exatos: de 5, 10 ou 15 minutos 
de atrasos frouxos... 7, 18, 23 minutos...

Não gosto das horas certas,
elas só funcionam nos contos de fadas
(“À meia-noite a carruagem vira abóbora.”),
na vida do dia a dia as horas são soltas
tudo é imprevisível:
o trânsito, o humor, o clima,
os encontros (desencontros)

(...)

e também a rima (E não é que ela veio?!).

Tá bom, a hora certa talvez exista no Reino Unido;
já nos outros cantos a hora certa
não é a do relógio
é a hora do destino. Destino?
Ou será a hora da leveza?
Talvez seja.

Desconfio dos planos infalíveis
com prazos e termos finais,
me parecem muito instáveis.
A hora certa não é
meio-dia, meia-noite; nem
“te vejo às 8 às 22 às 15 horas”.
A hora certa é aquela que tinha que ser.

A vida é feita do que tinha que ser
e não do que teria sido.



Fernanda Tinoco Ramos